Esta é uma história à altura dos grandes mestres japoneses que homenageia. Imortalizado no romance de Eiji Yoshikawa (1892-1962), Musashi, o espadachim invencível que viveu no epílogo da era feudal, empresta, aqui, seu nome a um cachorro não muito bem humorado. Os haibuns de Bashô (1644-1694), composições que combinam prosa e haicai, servem de modelo para um manuscrito que permeia a narrativa. Já O mestre de Go (1954), entre outras obras indiretamente recordadas de Yasunari Kawabata (1899-1972), terá motivado a cena, situada em 1986, que desencadeia a sucessão dos acontecimentos. É esse jogo tradicional no Japão que aproxima decisivamente duas gerações de protagonistas: um menino de doze anos, não descendente de japoneses e apaixonado por jogos de tabuleiro, e o senhor Yasuro Ota, um homem na casa dos sessenta anos, acostumado a jogar sozinho.
Nessa pequena obra-prima da literatura sobre a imigração japonesa no Brasil, imune às armadilhas do pitoresco, temos o retrato ao mesmo tempo delicado e provocante de um Japão logo "do outro lado do muro", conforme a sua frase de abertura. A sutileza na caracterização das personagens, que saltam vívidas do universo ficcional, a elegância do estilo, capaz de harmonizar o dinamismo dos acontecimentos ao lirismo de sua percepção, o refinamento dos traços, que delineiam um acurado pano de fundo histórico e cultural, e o entrelaçamento das diferentes narrativas, que compõem uma urdidura coesa entre tempos e espaços distintos, são os elementos essenciais deste romance, que, como um ímã, magnetiza o leitor até a última página.